Natal, festa da vida

Por Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo

“Hoje, amados filhos de Deus, nasceu nosso Salvador. Alegremo-nos! Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade” (cf Liturgia das Horas do Natal).

Esse convite a viver as alegrias do Natal, do Papa São Leão Magno, do século V, nos ajuda a compreender melhor a importância e o valor da vida humana: o próprio Filho de Deus, sem deixar de ser o que era desde a eternidade, também quis experimentar nossa vida humana, tornando-se um de nós. São João, no Prólogo do seu Evangelho, diz que “nele estava a vida e a vida era a luz dos homens” (Jo 1,4). Em Jesus, a vida manifestou-se e tornou-se próxima; a vida eterna “tornou-se visível para nós” (cf 1 Jo 1, 1-3).

Aquele que veio no Natal veio da “fonte da vida”, que deu origem a toda vida (cf Jo 1,10). Ele veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (cf Jo 10,10), o manancial do qual todos podem beber e se saciar da “água da vida” (cf Jo 4,14). Ele mesmo é “o caminho, a verdade e a vida” (cf Jo 14,6). Veio a este mundo para restaurar a vida, marcada pela morte, e restituir a dignidade a toda vida humana; veio superar o poder da morte e se tornar o vencedor do pecado. Senhor da vida, ele caminha à frente dos seus, para introduzir no seu Reino de vida eterna a todos aqueles que o seguem.

O mistério do Natal nos confronta com a simplicidade e a fragilidade da vida: O Filho de Deus nasce pequenino, dependente em tudo de sua mãe, como qualquer criança. Diante da humildade da manjedoura, desarma-se qualquer soberba e autossuficiência humana. Nele, Deus veio ao encontro de toda pessoa e ninguém deve sentir-se esquecido ou menos amado: Ele se fez tudo para todos, para salvar a todos.

Se cada vida humana é tão preciosa aos olhos de Deus, deve sê-lo para nós também: “tanto Deus amou o mundo, que lhe enviou seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna!” (cf Jo 6,39). Que pena, pelas vidas desprezadas, vilipendiadas, injuriadas, pisoteadas, violentadas… Que pena, pelas vidas abortadas, assassinadas, compradas e vendidas! É a mesma carne que o Verbo-Filho de Deus um dia assumiu e dignificou. Não nos é permitido desprezar a obra de Deus!

Diante de Deus, ninguém é um número, um ser sem rosto, nem peça insignificante na grande máquina do universo: “és precioso para mim, chamei-te pelo nome, és meu” (cf Is 43,1). Cada pessoa conta aos seus olhos e, por isso, o Filho Eterno “veio para os seus”, mesmo sabendo que os “seus” nem sempre o reconhecem e acolhem (cf Jo 1,11). Por isso, convida ainda São Leão Magno: “toma consciência, ó cristão, da tua dignidade!”

O Natal é o máximo da valorização da vida humana. Que as mães sejam reverenciadas porque geram e acolhem a vida; as crianças sejam olhadas com carinho: são botões de vida, flor delicada, “sorriso de Deus” para a humanidade; os doentes, idosos e todos os que sentem a vida fragilizada sejam socorridos; quem está encarcerado e os que vivem em situação de risco sejam cuidados. E quem é forte e tem saúde, dê graças a Deus pela vida e faça o bem ao próximo! Feliz e abençoada celebração do Natal, festa da vida!

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO – Edição 3032 – 17 de dezembro de 2014 a 7 de janeiro de 2015